sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Velhos Hábitos

Livro: Renovando Atitudes
Capítulo 34

“... O corpo não dá cólera àquele que não a tem, como não dá os outros vícios; todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito; sem isso, onde estariam o mérito e a responsabilidade?...” 

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 9 - Item 10

Em primeiro lugar, é necessário conceituar que vícios são dependências vigorosas e profundas de uma pessoa que se encontra sob o controle de outras ou de determinadas coisas.

Portanto, deve ser considerado como vício não apenas o consumo de tóxicos e de outros produtos de origem natural ou sintética. O conceito é mais amplo. Analisando-o em profundidade, podemos interpretá-lo como atitude mental que nos leva compulsoriamente à subjugação a pessoas e situações.

Muitos de nós aprendemos a ser dependentes desde cedo, dirigidos por adultos superprotetores que nos imprimiram “clichês psíquicos” de repressão, que se refletem até hoje como mensagens bloqueadoras dentro de nós e que não nos deixam desenvolver o “senso de autonomia” e de independência. Outros trazem enraizadas experiências em que lhes foi negada a possibilidade de exercer a capacidade de seleção de amigos e parceiros afetivos, em virtude da intervenção de adultos prepotentes. Essa nociva interferência torna-os mais tarde indivíduos de caráter oscilante, indecisos, assustados e inseguros. Outros ainda, por terem sofrido experiências conflitantes em outras encarnações, em contato com criaturas desequilibradas e em clima de inconstância e desarmonia, são predispostos a renascer hoje com maior identificação com a instabilidade emocional.

Dessa forma, entendemos que os fatores que propiciam os vícios e as compulsões ocorrem em ambientes familiares/sociais desarmônicos, desta ou de outras encarnações, onde deixamos as pressões, traumas, coações, desajustes e conflitos se enraizarem em nossa “zona mental” ou “perispiritual”, porquanto os vícios não passam de efeitos externos de nossos conflitos internos.

Vale ressaltar que nossa sociedade, a rigor, é extremamente “machista”, razão pela qual muitas mulheres foram educadas para aceitar comportamentos dependentes como sendo “virtudes femininas”, o que as leva a viver dentro de “demarcações estreitas” do que elas devem ou podem fazer.

O vício do álcool, sexo, nicotina, jogos diversos ou drogas farmacológicas são formas amenizadoras que compensam, momentaneamente, áreas frágeis de nossa alma desestruturada. Aliviam as carências, as ansiedades, os desajustes, as tensões psicológicas e reduzem os impulsos energéticos que produzem as insatisfações e o chamado “mal-estar interior”.

Pode parecer que as opções vício/dependência disfarcem ou abrandem a “pressão torturante”, porém o desconforto permanece imutável.

O álcool e a droga são sedativos ou analgésicos, mas por acarretar gravíssimas consequências, são denominados “vícios autodestrutivos”. A comida é uma dependência considerada, de início, “vicio neutro”, para, depois, transformar-se numa “opção de fuga” negativa e profundamente desorganizadora do nosso corpo físico/psíquico.

Há manias ou vícios comportamentais tão graves e sérios que nos levam a ser tratados e considerados como pessoas de difícil convivência, isto é, inconvenientes:

— Vício de falar descontroladamente, sem raciocinar, desconectando-nos do equilíbrio e do bom senso.

— Vício de mentir constantemente para nós mesmos e para os outros, por não querermos tomar contato com a realidade.

— Vício de nos lamentarmos sistematicamente, colocando-nos como vítima em face da vida, para continuarmos recebendo a atenção dos outros.

— Vício de nos acharmos sempre certos, para podermos suprir a enorme insegurança que existe em nós.

— Vício incontido de gastar desnecessariamente, sem utilidade, a fim de adiarmos decisões importantes em nossa vida.

— Vício de criticar e mal julgar as pessoas, para nos sentirmos maiores e melhores que elas.

— Vício de trabalhar descontroladamente, sem interrupção, para nos distrairmos interiormente, evitando desse modo os conflitos que não temos coragem de enfrentar.

Inquestionavelmente, as chamadas viciações resultam do medo de assumir o controle de nossa vida e, ao mesmo tempo, do medo de nos responsabilizarmos por nossos atos e atitudes, permitindo que eles fiquem fora de nosso controle e de nossas escolhas.

Quaisquer que sejam, contudo, os motivos e a origem de nossos “velhos hábitos”, urge estabelecermos pontos fundamentais, a fim de que comecemos indagando “por que somos” dependentes emocionalmente e “qual é a forma” de nos relacionarmos com essa dependência.

Aqui estão alguns itens a serem também observados e que provavelmente nos ajudarão a ser mais independentes, além de capazes de satisfazer nossos desejos e vocações naturais. Ao mesmo tempo, nos permitirão estar junto a pessoas e situações sem tornar-nos parcial ou totalmente dependentes delas:

— Aguçar nossa capacidade de decidir, de optar e de escolher cada vez mais livre das opiniões alheias.

— Combater nossa tendência de ser “bonzinhos”, ou melhor, de desejar ser sempre agradáveis aos outros, mesmo pagando o preço de nos desagradar.

— Estimular nossa habilidade de dizer “não”, quantas vezes forem necessárias, desenvolvendo assim nosso “senso de autonomia”, a fim de não cair nos “modismos” ou “pressões grupais”.

— Estabelecer no ambiente familiar um clima de respeito e liberdade, eliminando relações de superdependência “simbióticas”, para que possamos ser nós mesmos e deixemos os outros ser eles mesmos.

— Criar padrões de comportamentos positivos, pois comportamentos são hábitos, e nossos hábitos determinam a facilidade de aceitarmos ou não as circunstâncias da vida.

— Conscientizar-nos de que somos seres humanos livres por natureza, mas também responsáveis por nossos atos e pensamentos, pois recebemos por herança natural o livre-arbítrio.

— Cultivar constantemente o autoconhecimento:

- reforçando nossa visão nos traços de nossa personalidade que já conhecemos;

- buscando nossos traços interiores, que ainda nos são desconhecidos;

- analisando as opiniões de outras pessoas que, ao contrário de nós, já conhecemos nosso perfil psicológico;

- aceitando plenamente nosso lado “inadequado”, sem jamais escondê-lo de nós mesmos e dos outros, tentando, porém, equilibrá-lo.

Meditemos, pois, sobre essas ponderações que, com certeza, nos ajudarão a libertar-nos dessas “necessidades constrangedoras”, cujas verdadeiras matrizes se encontram na intimidade de nós mesmos.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Verniz Social

Livro: Renovando Atitudes
Capítulo 33

“... A benevolência para com os semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que lhe são a manifestação. Entretanto, não é preciso fiar-se sempre nas aparências; a educação e o hábito do mundo podem dar o verniz dessas qualidades...”

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 9 - Item 6

Nem sempre conseguimos mascarar por muito tempo nossas verdadeiras intenções e planos matreiros. Não dá para enganar as pessoas por tempo indeterminado. Após vestirmos as roupagens da afabilidade e doçura para encobrir rudeza e desrespeito, vem a realidade dura e cruel que desnuda aqueles lobos que vestiram a “pele de ovelha”.

Realmente, é no lar que descortinamos quem somos. É no lar que escorre o verniz da bonança e da caridade que passamos sobre a face e que nos revela tal como somos aos nossos familiares. Trazemos gestos meigos e voz doce para desempenhar tarefas na vida pública, no contato com chefes de serviço e amigos, com companheiros de ideal e recém-conhecidos, mas também trazemos “pedras nas mãos” ou punhos cerrados no trato com aqueles com quem desfrutamos familiaridade.

Por querer aparentar alguém que não somos, ou impressionar criaturas a fim de conquistá-las por interesses imediatos, é que incorporamos personagens de ficção no palco da vida. Ou seja, é como se cumpríssemos um script numa representação teatral. Nada mais do que isso.

Em várias ocasiões, integramos em nós mesmos não só a sociedade visivelmente “externa”, com suas construções, praças, casas e cidades, mas também a sociedade em seu contexto “invisível”, que, na realidade, se compõe de regras e ordens sociais, bem como dos modelos de instituições criadas arbitrariamente. Captamos, através de nossos sentidos espirituais, todos os tipos de energia oriunda da população. Através de nossos radares sensíveis e intuitivos, passamos a representar de forma inconsciente e automática um procedimento dissimulado sob a ação dessas forças poderosas.

Maquilagens impecáveis, jóias reluzentes, perfumes caros, roupas da moda e óculos charmosos fazem parte do nosso arsenal de guerra para ludibriar e corromper, para avançar sinais e para comprar consciências. Não nos referimos aqui à alegria de estar bem-trajado e asseado, mas à maquiavélica intenção dos “túmulos caiados”.

Por não nos conhecermos em profundidade é que temos medo de nos mostrar como realmente somos.

Num fenômeno psicológico interessante, denominado “introjeção”, que é um mecanismo de defesa por meio do qual atribuímos a nós as qualidades dos outros, fazemos o papel do artista famoso, dos modelos de beleza, das personagens políticas e religiosas, das figuras em destaque, dos parentes importantes e indivíduos de sucesso, e por muito tempo alimentamos a ilusão de que somos eles, vivenciando tudo isso num processo inconsciente.

Desse modo, nós nos portamos, vestimos, gesticulamos, escrevemos e damos nossa opinião como se fôssemos eles realmente, representando, porém, uma farsa psicológica.

Ter duas ou mais faces resulta gradativamente em uma psicose da vida mental, porque, de tanto representar, um dia perdemos a consciência de quem somos e do que queremos na vida.

Quanto mais notarmos os estímulos externos, influências culturais, físicas, espirituais e sociais em nós mesmos, nossas possibilidades de relacionamento com outras pessoas serão cada vez mais autênticas e sinceras. A comunicação efetiva de criatura para criatura acontecerá se não levarmos em consideração sexo, idade e nível socioeconômico. Ela se efetivará ainda mais seguramente sempre que abandonarmos por completo toda e qualquer obediência neurótica aos modelos aprendidos e preestabelecidos.

Abandonemos o “verniz social” que nos impusemos no transcorrer da vida. Sejamos, pois, autênticos. Descubramos nossas reais potencialidades interiores, que herdamos da Divina Paternidade. Desenvolvendo-as, agiremos com maior naturalidade e,  consequentemente, estaremos em paz conosco e com o mundo.