segunda-feira, 26 de abril de 2021

Paciência - Parte 1

Livro: Os Prazeres da Alma 
Autor Espiritual: Hammed

Capítulo 4

Nossa impaciência desequilibra os processos internos e externos da natureza em nós. Atos e atitudes pacienciosas podem mudar nosso modo de ver e enfrentar conflitos. Lembremo-nos de que todo problema contém em si mesmo a "semente da solução".

Tão logo nos permitimos pensar na Natureza como algo vivo e atuante em nós, começamos a perceber que nunca perdemos nosso "sentido de ligação" com o mundo natural. É como se emergisse de nosso interior uma "parte adormecida" que sempre soube disso; por conseguinte, começamos a religar a vida íntima com as forças criativas manifestadas em toda a evolução.

Nossa ligação com os processos vivos da Terra tem sido esquecida. A suposição da ciência moderna é de que nosso planeta tenha por volta de cinco bilhões de anos. Não existe, porém, nenhum vestígio que permita determinar, com alguma aproximação, a época em que foram lançadas as "sementes da vida", isto é, o aparecimento dos primeiros organismos vivos sobre o orbe terreno.

O que se sabe, de modo geral, é que o planeta passou por lentas e diversas transformações e que, provavelmente, a vida surgiu nas águas dos mares, que exerceram a função de "berço fecundo" para manter as primeiras formas vivas.

Esses minúsculos seres unicelulares se estruturaram nas condições reinantes na Terra primitiva, a partir de substâncias orgânicas preexistentes na atmosfera e na crosta terrestre. O acúmulo dessas substâncias ou moléculas durante milhões de anos converteu os ambientes marinhos numa verdadeira "sopa nutritiva". A partir daí e pela ação laboriosa dos Operários Celestes, teve início a vida na Terra.

No seio daquelas paisagens rudimentares, no interior das águas mornas dos oceanos primitivos, o princípio inteligente pôde iniciar suas primeiras manifestações sob o domínio e o controle da Onipotência Celeste.

A formação desse complexo "teatro da vida" se deu através de um longo e contínuo processo evolutivo, que nos permite hoje conhecer as mais diversas formas de seres vivos. É preciso, portanto, que adotemos o ritmo da Natureza, cujo segredo mais precioso é a paciência.

O ser humano é a própria Natureza adquirindo consciência de si mesma. Por possuir a capacidade de entender racionalmente esse grandioso "espetáculo da evolução", deveria ser o primeiro a perceber que sua perfeita estrutura orgânica resulta da paciente realização da Natureza.

A capacidade de persistir numa atividade com constância e perseverança é um dos atributos da Natureza. Precisamos aprender com ela a habilidade de equilibrar e realizar tarefas numa silenciosa quietude, pois a impetuosidade e a afobação que muitas vezes demonstramos podem destruir em minutos o que levamos anos para construir.

Suportemos com calma, tudo que acontece em nossa existência. Procuremos decifrar, aprender e refletir as mensagens enigmáticas que nos chegam através da linguagem da evolução natural. A Natureza não dá saltos - a borboleta não chegou ao que é sem antes ter sido lagarta.

No entanto, a paciência não é passividade, estagnação, ociosidade ou paralisação. É antes um potencial a ser desenvolvido com serenidade, persistência e constância. Ela permite que possamos descobrir o momento certo de perseverar ou de abdicar de relações, situações, vínculos e atividades que envolvem o nosso dia-a-dia.

Os Espíritos Superiores possuem a necessária paciência de revelar certos ensinamentos na ocasião oportuna. Sabem que o processo de amadurecimento e crescimento humano é constante, mas gradual. Eles reconhecem que a cada coisa se deve dar o devido tempo, e que tudo que se diz de forma precipitada pode ser mal interpretado ou não entendido. Por isso, utilizam-se da "natureza evolutiva", levando em conta a condição de tempo, lugar ou modo que cerca e acompanha as pessoas, fatos ou acontecimentos.

Os Mentores da Codificação disseram a Allan Kardec que os Espíritos "(...) ensinaram muitas coisas que os homens não compreenderam ou desnaturaram, mas que podem compreender atualmente(...)" E justificaram: "(...) Não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos, e não dais para um recém-nascido um alimento que ele não possa digerir; cada coisa em seu tempo." (1)

Nossa impaciência desequilibra os processos internos e externos da Natureza em nós. Atos e atitudes pacienciosas podem mudar nosso modo de ver e enfrentar conflitos. Lembremo-nos de que todo problema contém em si mesmo a "semente da solução".

1. Questão 801 - Por que os Espíritos não ensinaram em todos os tempos o que ensinam hoje?

Não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos, e não dais para um recém-nascido um alimento que ele não possa digerir; cada coisa em seu tempo. Eles ensinaram muitas coisas que os homens não compreenderam ou desnaturaram, mas que podem compreender atualmente. Por seus ensinamentos, mesmo incompletos, prepararam o terreno para receber a semente que vai frutificar hoje."

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Sabedoria - Parte 2

Livro: Os Prazeres da Alma 
Autor Espiritual: Hammed

Capítulo 3

O saber implica a facilidade de elaborar ideias simples para explicar coisas aparentemente complexas, utilizando-se os recursos fecundos e inspirativos do universo interior.

Há séculos, os grandes pensadores e filósofos vêm-nos ensinando que o autoconhecimento é a base primordial para alcançarmos a verdadeira sabedoria. Mas, para saber realmente quem somos, precisamos mergulhar nas profundezas do ser e buscar a sabedoria existente em nosso mundo íntimo.

Se fomos criados por Deus e se Ele colocou em nós a sua marca - a ideia de Deus é inata no homem (1) -, ao nascermos, já trazemos como herança a marca divina. A onipresença do Criador abrange todo o Universo, manifestando-se em todas as suas criaturas e criações. Portanto, o passo fundamental para entrarmos em contato com o verdadeiro saber é tomarmos consciência de que Deus está em nós, somos deuses em potencial, conforme a expressão evangélica.

Ser sábio não se fundamenta apenas no grau de informação ou de conhecimento que temos sobre a vida terrena. Nem sempre indivíduos requintados e instruídos são portadores de senso intimo bem desenvolvido ou de alto nível de discernimento. Não devemos confundir cultura ou instrução com sabedoria.

Muitas pessoas cultas não são sábias, apesar de ostentarem um ar de superioridade intelectual. Não distinguir instrução de sabedoria é como não diferenciar diamantes de contas de vidro. A Espiritualidade Superior nos estimula a manter contato profundo e significativo com nossa força interna, a fim de que possamos nos familiarizar com a "voz da consciência".

O saber implica a facilidade de elaborar ideias simples par explicar coisas aparentemente complexas, utilizando-se os recursos fecundos e inspirativos do universo interior.

O conhecimento do sábio provém do mundo silencioso. É no silêncio que a introspecção enlaça o santuário da sabedoria. Quem mais conhece menos alarde faz; quem pouco conhece faz muito estardalhaço.

Precisamos adquirir o hábito de dedicar algum tempo ao silêncio da meditação, uma vez que o "olho interior" nos proporciona inúmeras formas de percepção (nós próprios, o mundo, a Natureza e Deus); enfim, ver o fundo e não apenas a superfície das coisas.

A sabedoria está igualmente ligada à forma como notamos a sutileza do mecanismo cíclico que move o Universo. Nele, tudo obedece a um ritmo natural; a raiz de nossa evolução corporal/espiritual está fincada nas íntimas relações com a Natureza. Se nos observarmos mais atentamente, veremos que somos parte dela.

O fluxo da Vida faz com que tudo se realize num reciclar constante e periódico. Nos pequenos seres, ela repete, em menor escala, o magnífico e imensurável movimento cósmico.

Na Terra, como em toda a criação, tudo é submetido a movimentos alternados, desde as marés, as fases da lua, as interações entre os organismos dos ecossistemas, a diversidade dos fenômenos meteorológicos, os biorritmos humanos e outras tantas coisas.

Quando admitimos o conjunto das forças que movem e animam a evolução da vida, começamos a perceber o dinâmico e sábio processo da ritmicidade que existe dentro e fora de nós. O desenvolvimento evolutivo nos mostra que tudo se  encadeia harmonicamente.

Na questão 540 de O Livro dos Espíritos, obra básica do Espiritismo, encontramos a seguinte exposição: "(...) É assim que tudo serve, tudo se coordena na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo que, ele mesmo, começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia da qual vosso espírito limitado não pode ainda entender o conjunto." (2)

A ação do homem desprovido de sabedoria tende normalmente a modificar, de acordo com seus caprichos ou pontos de vista pessoais, a Natureza que o cerca. Desse modo, as atitudes dele resultam num desgaste inútil de suas forças físicas e intelectuais e numa agitação desnecessária sem qualquer possibilidade de atingir a meta pretendida. Ao contrário do homem sábio, que não se opõe à ação da Natureza, mas entra em sintonia com ela, realizando e atuando em seu favor.

A criatura humana intelectualizada desenvolve-se no sentido horizontal, enquanto a verdadeiramente sábia transcende no sentido vertical.

O sábio é aquele que desenvolveu a capacidade sapiencial de comparar, avaliar e ponderar as ideias com a precisão dos cientistas, com a generosidade dos benfeitores, com a sensibilidade dos poetas, com o bom senso dos filósofos, com a naturalidade das crianças e com o desprendimento dos que amam sem condições.

1. Questão 6 de "O Livro dos Espíritos"

2. Questão 540 - Os Espíritos que exercem uma ação sobre os fenômenos da Natureza agem com conhecimento de causa, em virtude do seu livre-arbítrio ou por um impulso instintivo ou irrefletido?

"Alguns sim, outros não. Eu faço uma comparação: imagina essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem surgir do mar as ilhas e os arquipélagos; crês que nisso não há um fim providencial e que uma certa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia geral? Esses não são mais que animais da última ordem que cumprem essas coisas para proverem suas necessidades e sem desconfiarem que são os instrumentos de Deus. Muito bem! Da mesma forma os Espíritos, os mais atrasados, são úteis ao conjunto. Enquanto ensaiam para a vida e antes de terem a plena consciência dos seus atos e seu livre-arbítrio, agem sobre certos fenômenos dos quais são agentes inconscientes; eles executam primeiro; mais tarde, quando sua inteligência estiver mais desenvolvida, comandarão e dirigirão as coisas do mundo material. Mais tarde, ainda, poderão dirigir as coisas do mundo moral. É assim que tudo serve, tudo se coordena na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo que, ele mesmo, começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia da qual vosso espírito limitado não pode ainda entender o conjunto. "


quinta-feira, 8 de abril de 2021

Sabedoria - Parte 1

Livro: Os Prazeres da Alma 
Autor Espiritual: Hammed

Capítulo 3

Ter sabedoria consiste em possuir uma "leitura de mundo" voltada para o senso íntimo - capacidade de receber informações sobre as mudanças no meio (externo ou interno) e de a elas interagir, exprimindo atos e atitudes únicos e originais.

O sábio, por ter plena consciência da impossibilidade de possuir o conhecimento absoluto, reconhece com humildade as muitas coisas que ignora, não incorrendo na presunção de tudo saber ou conhecer. Aliás, o orgulho inibe a compreensão de tudo aquilo que se alcança com humildade.

A pessoa sábia não se opõe à ação da Natureza, mas entra em sintonia e atua juntamente com ela. "Todas as leis da Natureza são leis divinas, porque Deus é o Autor de todas as coisas" (1).

Quando desprezamos nossa fonte de sabedoria interior (propriedade inata de todos nós), rejeitamos parte importante de nossa realidade interna, porquanto as leis de Deus estão escritas na consciência (2). A expressão consciência, aqui utilizada pelos Guias da Humanidade, tem a mesma significação de Espírito, pois, se as leis divinas estivessem simplesmente na área consciencial do ego - sensações, percepções, emoções e motivações -, não teríamos maiores dificuldades de compreendê-las ou aplicá-las. Ao ignorarmos o potencial em nossa intimidade, nosso campo de visão existencial fica obscuro e distorcido e não conseguimos nos firmar perante a existência.

O sábio tem plena certeza de que é soberano e escravo do próprio destino; senhor supremo de seus atos e prisioneiro de seus efeitos compulsórios.

Os grandes educadores da humanidade são considerados homens de sabedoria. São eles que caminham à frente no tempo e no espaço, revelando-nos capacidades e habilidades ocultas, que sempre existiram dentro de nós. À custa de muito trabalho e enormes sacrifícios, os "pioneiros sapienciais" utilizavam como eixo principal de suas lições a importância do reino interior, ensinando-nos com notável propriedade que "o mundo a ser desvendado está no âmago da criatura", que o "divino está no humano", uma vez que tudo que há em nós é sagrado. Por essa razão, hoje  entendemos perfeitamente as palavras de Jesus Cristo: "O Reino de Deus está no meio de vós" (3).

A partir disso, compreendemos que o modo de ensinar de todos os grandes mestres baseava-se fundamentalmente na educação como método de percepção e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento dos talentos inatos - a vocação peculiar e espontânea existente dentro do próprio homem. O verbo educar vem do latim educare e significa "ação de lançar para fora, colocar à mostra, tirar de dentro".

Educar não é obrigar ou constranger alguém a aprender por meio de força ou pressão moral, mas exprimir e liberar a potencialidade do ser. Também não é imprimir, porém fazer brotar ou emergir os dons subjacentes. Menos ainda seria formar, impondo uma fôrma; ao contrário, seria desentranhar do mais fundo da criatura o seu próprio modo de ser.

A conquista da sabedoria proporciona aos homens flexibilidade suficiente para que não mantenham a mente fechada a novas informações e não vivam dentro de regras e padrões sociais rígidos.

Os sábios entendem que o bom senso, unido a uma consciência reflexiva voltada para o "conhecimento original", deve anteceder a toda decisão, opção ou solução.

Eles não deixam que instruções, classificações e análises acumuladas no decurso dos tempos sufoquem a "sabedoria primitiva" contida na própria alma. A propósito, as regras injustas da sociedade e as religiões fundamentalistas, presas a modelos rigorosos e a severos padrões de pensamento, funcionam como autênticos entraves à sabedoria interior.

Os sábios aprenderam que, muitas vezes, os "procedimentos e hábitos" de uma época repercutem de tal forma sobre as pessoas, que elas passam a vê-los, primeiramente, como "normas ou regras sociais"; depois, ao longo dos séculos, como "valores e condutas morais", chegando, por fim, ao ponto de considerá-los como "leis ou ordens divinas".

O Criador não estabeleceu leis que, em outras épocas, Ele próprio teria proibido. Seria bom lembrarmos que as concepções e ideias sofrem interferência dos fatores tempo e espaço. As pessoas diferem em seus conceitos sobre os costumes - modo de pensar e agir característico de indivíduo, grupo social, povo, nação -, porque eles são constantemente reavaliados e renovados através do tempo e das sociedades humanas.

"Deus não pode se enganar. Os homens é que são obrigados a mudar suas leis, porque são imperfeitas. As leis de Deus são perfeitas. A harmonia que rege o universo material e o universo moral está fundada sobre as leis que Deus estabeleceu para toda a eternidade" (4).

As leis elitistas são transitórias porque foram criadas pelo prestígio de um grupo social ou pelo domínio de um povo ou nação em determinada época. Todavia, são constantes e imutáveis "as leis que Deus estabeleceu para toda a eternidade".

Ter sabedoria consiste em possuir uma "leitura de mundo" voltada para o senso íntimo - capacidade de receber informações sobre as mudanças no meio (externo ou interno) e de a elas interagir, exprimindo atos e atitudes únicos e originais.

Cada indivíduo possui um canal sapiencial que pode entrar em sintonia com a fonte abundante da sabedoria universal. O sábio tem a capacidade de se autogovernar, uma vez que, ao penetrar na essência das coisas, analisa-as e sintetiza-as sem prejulgamentos, utilizando somente a própria coerência e a autenticidade provenientes de seu reino interior.

1. Questão 617 de "O Livro dos Espíritos"

2. Questão 621 de "O Livro dos Espíritos"

3. Lucas, 17:21

4. Questão 616 - Deus prescreveu aos homens, em uma época, o que lhes proibiu em outra?

"Deus não pode se enganar. Os homens é que são obrigados a mudar suas leis, porque são imperfeitas. As leis de Deus são perfeitas. A harmonia que rege o universo material e o universo moral está fundada sobre as leis que Deus estabeleceu para toda a eternidade."

 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Desapego -Parte 2

Livro: Os Prazeres da Alma 
Autor Espiritual: Hammed

Capítulo 2

A mente apegada a fatos, acontecimentos e pessoas é incapaz de perceber a sua essência. Aquele que está agarrado ao "ego" está vazio do "sagrado"; aquele que se liberta do "ego" descobre que sempre esteve repleto do "sagrado".

"Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. De fato, que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua vida?" (1)

Quando alguém passa silenciosamente por um desfiladeiro, percebe o sussurrar de sons distintos que repercutem através dos ventos nas pedras e árvores - são manifestações dos "ecos da Natureza" daquele lugar. A criatura que interioriza e aquieta a mente, silenciando sua intimidade, faz com que seu reino interior assemelhe-se a um "sereno desfiladeiro", de onde surgem as mensagens inarticuladas da alma - são manifestações dos "ecos transcendentais" do Universo.

Nesse "estado interior", onde impera a quietude e a tranquilidade, o indivíduo tem um encontro consigo mesmo, com sua mais pura essência - o Espírito. Na presença da inquietação e dos inúmeros anseios, a mente apegada bloqueia a fonte sapiencial e polui a via de acesso pela qual se ausculta a Fonte da Excelsa Sabedoria.

As pessoas do mundo estão distraídas entre os eventos do passado e os do presente, plenas de desejos pessoais que turvam e contagiam sua visão cósmica; isso as impede de expandir e expressar, de forma espontânea e natural, sua religiosidade nata.

Uma vez "perdido" o Espírito, as pessoas, embora vivas, estão como mortas. "De fato, que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua vida?"

"Pois aquele que quiser salvar a sua vida (apegar-se ao ego), vai perdê-la (perder de vista o Si-mesmo), mas o que perder a sua vida (desapegar-se do ego) por causa de mim, vai encontrá-la (integrar-se ao Si-mesmo)".

Devemos quebrar todos os grilhões e expulsar as mil vozes que enxameiam nossa casa mental. Assim, ficaremos limpos e desnudos, livres e despojados, libertos de tudo. Então, haverá naturalmente, nesse "desfiladeiro interno", o reverberar de algo essencial, antes oculto mas agora presente, em que se percebem com clara nitidez seus recursos infinitos e sua capacidade de despertar potenciais inatos.

Recolhemos da antiga sabedoria oriental este trecho que bem ilustra a nossa ideia sobre desapego e serenidade interior: "Quando o vento chega e oscila o bambu, o bambu não guarda o som depois que o vento passou. Quando os gansos atravessam o lago, o lago não conserva seus reflexos depois que eles se foram. Da mesma maneira, a mente das pessoas iluminadas está presente quando ocorrem os acontecimentos e se esvazia quando os acontecimentos terminam".

"(...) a doutrina da reencarnação (...) aumenta os deveres da fraternidade, visto que, entre os vizinhos ou entre os servidores, pode se encontrar um Espírito que esteve ligado a vós pelos laços consanguíneos." (2)

Quando temos algo querido ou pensamos ter a posse de alguém que muito amamos, sofremos ao nos separarmos dele. O ciúme é o resultado do apego (medo de perder). É preciso perceber a diferença entre o "amor real" e a "relação simbiótica", ou mesmo o "apego familiar". A realização espiritual não está em nos apegarmos egoisticamente aos entes queridos, e sim nos interagirmos  fraternalmente uns com os outros.

"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." "Negar-se a si mesmo" é ultrapassar a transitoriedade do mundo visível e penetrar na essência oculta das criações e criaturas. É desapegar-se verdadeiramente e viver na integridade da vida; não querer perpetuar o "ego".

"Tomar a sua cruz" é reconhecer que este momento vai se desvanecer e não se perpetuará. É perceber os difíceis dilemas mentais pelos quais passamos, o que nos permitirá transitar íntegros na via de mão dupla por onde se move, de um lado, a busca imediatista do "ego" e, do outro, a inspiração da infinita Sabedoria Divina.

O desapego nos leva a desenvolver um amplo senso de liberdade e de confiança em nós mesmos. Nosso calabouço reside em nossos mais íntimos atos e atitudes. Prendemo-nos nos grilhões de nossa própria criação mental, e fazemos o mesmo com aqueles que amamos.

A mente apegada a fatos, acontecimentos e pessoas é incapaz de perceber a sua essência. Aquele que está agarrado ao "ego" está vazio do "sagrado"; aquele que se liberta do "ego" descobre que sempre esteve repleto do "sagrado". A mente serena, tranquila e desapegada é a "porta estreita".

O indivíduo desapegado participa com a família e com toda a comunidade de um relacionamento saudável e espontâneo. Não vive atado aos vínculos doentios da "ansiedade de separação", pois crê plenamente que a lei das vidas sucessivas não destrói os laços da afetividade, antes os estende a um número cada vez maior de pessoas e também por toda a humanidade.

1. Mateus, 16:24 a 26

2. Questão 205 - Na opinião de certas pessoas, a doutrina da reencarnação parece destruir os laços de família fazendo-os remontar às existências anteriores.

"Ela os estende, mas não os destrói. A parentela, estando baseada sobre as afeições anteriores, os laços que unem os membros de uma família são menos precários. Ela aumenta os deveres da fraternidade, visto que, entre os vizinhos ou entre os servidores, pode se encontrar um Espírito que esteve ligado a vós pelos laços consanguíneos."